Prospecção sem Avaliação é só Observação: Um Alerta à Gestão da Propriedade Intelectual
- Ricardo Carvalho Rodrigues

- 11 de abr.
- 6 min de leitura

Como atividade transversal, a prospecção tecnológica conecta as múltiplas dimensões da gestão da Propriedade Intelectual, desde a identificação de oportunidades tecnológicas até o alinhamento com as estratégias de inovação e negócios. Bem estruturada, ela integra áreas como P&D, jurídico, marketing, planejamento e gestão da inovação, permitindo antecipar tendências, mapear riscos, identificar oportunidades de parceria ou licenciamento e direcionar os ativos de PI conforme os objetivos organizacionais.
Diante da velocidade com que surgem novas tecnologias e modelos de negócio, a capacidade de transformar dados em inteligência tornou-se um diferencial decisivo para gerar valor e orientar decisões estratégicas, tornando a prospecção tecnológica uma atividade essencial para a gestão da Propriedade Intelectual e da inovação nas organizações.
O desafio, no entanto, não está mais em obter dados, mas em interpretá-los com profundidade e propósito. Nunca se produziu tanto material sobre prospecção tecnológica, mas grande parte se limita à apresentação de gráficos, números e estatísticas, com pouca ou nenhuma análise crítica.
Prospecção sem avaliação é apenas observação.
A frase pode soar dura, mas resume bem um problema sério que tem ganhado força no universo acadêmico e profissional: a produção massiva de estudos de prospecção tecnológica que se resumem a coleções de dados, gráficos, estatísticas e só.
Nos últimos anos, houve uma verdadeira explosão de estudos na área, impulsionada pela popularização de bases de dados online gratuitas mantidas por escritórios nacionais e internacionais de Propriedade Intelectual. Exemplos incluem o Espacenet (mantido pelo Escritório Europeu de Patentes) e o PatentScope (da Organização Mundial da Propriedade Intelectual), que permitem acesso, em um único local, a documentos de patentes depositados em mais de 100 países. Além dessas, há outras plataformas com modelos parcialmente gratuitos, como o The Lens e o ChemSpider, este último voltado para buscas de sequências genéticas e fórmulas químicas. O mercado também oferece opções comerciais mais robustas, como as plataformas PatSeer, Orbit, Derwent Innovation, entre outras, conforme ilustrado na imagem abaixo.

Se, por um lado, essas ferramentas tornaram o acesso e a análise de dados mais fáceis, por outro, contribuíram para a proliferação de trabalhos que se limitam à exibição de números, gráficos e tabelas coloridas. O resultado? Um desfile visual impressionante, mas com pouca ou nenhuma análise crítica, sem profundidade, sem impacto real.
O excesso de números e a ausência de sentido. A acessibilidade às ferramentas de análise coincidiu com a crescente pressão por produtividade acadêmica e com o avanço das chamadas revistas predatórias [1]. Esse cenário gerou um efeito colateral preocupante: um inchaço de publicações que aparentam ser análises aprofundadas, mas que, na prática, entregam apenas um verniz técnico. Em 2015, já se alertava para os impactos dessas revistas: mais artigos publicados às pressas, com menos rigor e profundidade científica [2].
Métodos tradicionais baseados exclusivamente em análise de patentes e bibliometria falham justamente por desconsiderarem a experiência humana e os contextos estratégicos. Apesar do grande volume de dados disponível, raramente há uma análise crítica capaz de transformá-los em conhecimento útil. De forma semelhante, visualizações e indicadores estatísticos, embora reconhecidos como ferramentas valiosas, apresentam limitações importantes, como a ausência de tempestividade, a dependência de setores específicos e a confusão frequente entre quantidade e qualidade [3]. Esse movimento não é isolado. A pressão por publicações rápidas e em grande volume, alimentada pelas revistas predatórias, tem incentivado a produção de estudos “plásticos”: bonitos à primeira vista, mas ocos em profundidade.
Atualmente, é comum encontrarmos artigos e relatórios que apresentam:
O crescimento da produção científica ao longo do tempo;
A identificação de áreas tecnológicas emergentes com base em classificações internacionais de patentes, como a Classificação Internacional de Patentes (CIP);
A distribuição geográfica de depósitos de patentes, que revela a concentração de esforços inovadores em determinadas regiões do mundo;
A evolução de palavras-chave e tópicos por meio de mapas de calor e outras ferramentas de visualização.
No entanto, essas análises frequentemente se restringem a indicadores quantitativos, deixando de fora dimensões fundamentais para a compreensão mais estratégica da inovação. Entre os aspectos frequentemente negligenciados, destacam-se:
A avaliação da maturidade das tecnologias em análise;
A consideração de riscos estratégicos, especialmente em setores críticos ou de alta sensibilidade;
A reflexão sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais que essas tecnologias podem gerar, tanto em nível local quanto global.
A verdade, embora desconfortável, precisa ser dita: estamos colecionando dados em vez de produzir conhecimento.
Mapear tendências não equivale a compreendê-las. Muitos artigos atuais usam bibliometria e análise de patentes como fim em si mesmas. Mostram os países que mais publicam, as áreas com maior número de patentes ou os períodos de crescimento mais acentuado, mas deixam de lado o essencial: por que isso importa? Como essas informações afetam decisões estratégicas, a inovação, a ciência e o desenvolvimento tecnológico?
Grande parte dos estudos de Prospecção Tecnológica publicados no Brasil carece de clareza e se ancora excessivamente em abordagens quantitativas. Falta, muitas vezes, uma avaliação qualitativa consistente que permita interpretações mais significativas. O resultado? Relatórios que pouco contribuem para o avanço do conhecimento científico ou para decisões mais eficazes em empresas e instituições de pesquisa, ciência e tecnologia.
O que se vê, em grande parte da literatura, são análises quantitativas frias, que deixam de lado o que realmente importa: a avaliação qualitativa e estratégica dos dados. É como eu falo para meus alunos: prospecção tecnológica sem avaliação é apenas observação.
É fácil se encantar com dashboards interativos e mapas de calor. Mas os dados só ganham valor estratégico quando interpretados à luz dos contextos sociais, econômicos e tecnológicos [4]. Sem isso, a prospecção vira apenas um álbum de figurinhas bonito.

Além disso, simplesmente contar publicações ou patentes em determinada área não revela se a tecnologia está madura, se enfrenta barreiras éticas ou regulatórias, ou se possui potencial de parceria ou licenciamento. Identificar não basta, é preciso avaliar.
Prospecção é ferramenta, não um fim em si mesma. Para que a prospecção seja, de fato, estratégica, três elementos são fundamentais:
1. Métodos híbridos – Combine dados com análise qualitativa: Delphi, entrevistas, estudos de caso, cenários. Dados precisam de interpretação.2. Contextualização estratégica – Relacione os resultados aos desafios reais da organização. Sem contexto, tudo vira ruído.3. Interdisciplinaridade – Traga saberes da gestão, economia, sociologia, ciência política e tecnologia para enriquecer a análise.A implementação desses elementos pode ser facilitada por recursos já disponíveis, que oferecem métodos estruturados e exemplos práticos para qualificar a prospecção tecnológica. A seguir, dois materiais de referência que podem apoiar esse processo.
Boas práticas e estudos com metodologia robusta estão disponíveis no site do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Um exemplo é o estudo "Biofertilizantes", publicado em dezembro de 2023 no primeiro volume da série Estudos de Inteligência Estratégica em Inovação.
Essa série é desenvolvida pela Assessoria de Assuntos Econômicos (AECON) e pela Coordenação-Geral de Estudos, Projetos e Disseminação de Informações Tecnológicas (CEPIT) do INPI, que têm contribuído com pesquisas relevantes para o desenvolvimento da indústria e a formulação de políticas públicas orientadas ao fortalecimento da economia brasileira.

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) disponibiliza um guia completo para a elaboração de Relatórios com Panoramas de Patentes (Patent Landscape Reports – PLRs). Este documento fornece instruções passo a passo sobre como preparar um PLR, além de informações contextuais sobre objetivos, análises de patentes, conceitos e estruturas. É uma leitura essencial tanto para usuários gerais de informações de patentes quanto para aqueles envolvidos na produção de PLRs. Além do guia, a OMPI oferece em seu portal diversos relatórios de panorama de patentes sobre diferentes tecnologias (acessíveis na seção dedicada aos PLRs).

Se a intenção é guiar decisões sobre inovação, licenciamento ou parcerias tecnológicas, a coleta de dados é só o começo. É preciso perguntar: o que os números revelam? O que escondem? O que significam para o futuro de uma empresa, setor ou política pública?
A prospecção tecnológica não deve se limitar à simples coleta de dados. Para ser realmente útil, é essencial que envolva análise crítica, integração entre diferentes áreas do conhecimento e alinhamento com planos de ação concretos. Só assim ela pode contribuir efetivamente para a Gestão da Propriedade Intelectual e impulsionar a inovação.
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Referências
[1] GRUDNIEWICZ, Agnes et al. Predatory journals: no definition, no defence. Nature, v. 576, n. 7786, p. 210–212, 2019.
[2] SHEN, Cenyu; BJÖRK, Bo-Christer. ‘Predatory’ open access: a longitudinal study of article volumes and market characteristics. BMC Medicine, v. 13, n. 1, p. 230, 2015.
[3] JÜRGENS, Markus; HERRERO-SOLANA, Valentín. Patent bibliometrics and its use for technology watch. Journal of Intelligence Studies in Business, v. 7, n. 2, p. 29-40, 2017.
[4] CAGNIN, Cristiano et al. Technology assessment for responsible innovation. Technological Forecasting and Social Change, v. 176, p. 121468, 2022.
Importante: O presente texto apresenta as opiniões pessoais do autor, as quais não devem ser interpretadas como o posicionamento oficial de qualquer instituição à qual ele esteja vinculado.
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