McKnowledge e o Drive-Thru da Inovação: O Fast-Food do Saber está Criando Especialistas em Generalidades?
- Ricardo Carvalho Rodrigues

- 7 de mar.
- 10 min de leitura
Atualizado: 8 de mar.

Estamos nos afogando no raso? A pergunta ecoa como um alerta em meio à enxurrada de informações que nos assola diariamente. Inteligência Artificial, livros online, influencers, aulas online, inúmeros grupos de whatsapp... a promessa de conhecimento ilimitado se transforma em uma vertigem sufocante, onde a superficialidade ameaça nos afogar.
A busca incessante por "saber tudo" nos leva a um estado de ansiedade e confusão. Precisamos de ansiolíticos e meditação (Mindfulness [1] outro modismo passageiro?), não para absorver cada fragmento de informação, mas para discernir o essencial. É preciso focar nos objetivos, ser essencialista (Essencialismo: A disciplinada busca por menos [2]), para não nos perdermos na vastidão do conhecimento. Essa questão sintetiza a preocupação com a crescente superficialidade do aprendizado no mundo corporativo e acadêmico, especialmente na gestão da Propriedade Industrial e da inovação.
Atualmente, há muitos cursos rápidos e métodos simplificados que prometem transformar qualquer pessoa em especialista. Isso aumenta o risco de termos conhecimentos superficiais disfarçados de verdadeira competência. Empresas e profissionais que realmente buscam se destacar precisam ir além da simples coleta de informações, investindo na construção de um conhecimento mais profundo e interdisciplinar.
Por que alguns se sobressaem enquanto outros se afogam na superficialidade? A resposta pode estar na capacidade de integrar conhecimentos, de ir além da mera coleta de dados e de construir uma visão mais abrangente. A Comunicação, o RH e a TI, áreas cruciais para o sucesso das organizações, precisam superar suas deficiências e se tornarem pilares da gestão do conhecimento e da inovação. Em um mundo onde a informação é abundante, a sabedoria reside na capacidade de discernir o essencial, de construir conhecimento e de aplicar a interdisciplinaridade para criar um futuro inovador e sustentável.
O Paradoxo da Era da Informação
Vivemos na era da abundância de dados, mas paradoxalmente enfrentamos uma escassez de conhecimento. No campo da gestão da PI e da inovação, essa realidade se torna evidente: empresas de diferentes setores se afogam em informações desconectadas, sem uma bússola para navegar nesse oceano de dados. Se você atua nessa área, certamente já se deparou com um turbilhão de termos como esses da figura.

A proliferação de cursos online e treinamentos instantâneos só agrava esse cenário. Programas intitulados "Inove em 5 Passos", "Prospecção Tecnológica em um Clique" ou "Torne-se um Especialista em Inovação com Este Curso Rápido" vendem uma ilusão de domínio do conhecimento, enquanto na prática promovem um aprendizado raso e insuficiente para a complexidade do mercado.
A digitalização colocou ao nosso alcance uma infinidade de ferramentas e conteúdos: Inteligência Artificial, bancos de dados online, cursos virtuais e plataformas de aprendizado rápido. Mas consumir informação não é sinônimo de construir conhecimento. A gestão da PI e da inovação exige mais do que acesso a dados; demanda análise crítica, experiência prática e a capacidade de transformar informações brutas em insights estratégicos aplicáveis.
Para ilustrar, no contexto da inovação, alguns temas são especialmente relevantes: Softwares de gestão, que otimizam processos e facilitam a tomada de decisão com base em dados estruturados; Prospecção Tecnológica, essencial para antecipar tendências e oportunidades; Foresight Estratégico, que orienta decisões de longo prazo em cenários incertos; e a mais recente do momento, as normas ISO para Gestão da Inovação.
Softwares de Gestão: A Armadilha da Superficialidade Tecnológica
Em um mundo onde a informação flui incessantemente, a gestão da Propriedade Industrial e da inovação enfrenta um desafio crucial: a transformação de dados em conhecimento estratégico. A era digital, com seus softwares de gestão (ERPs, SaaS, BIs) e ferramentas de inteligência artificial, oferece um manancial de informações, mas a mera familiaridade com essas tecnologias não garante o sucesso. É preciso ir além da superfície, mergulhando em águas mais profundas para desvendar os segredos da inovação e da proteção da PI.
A ilusão de que o domínio de softwares e ferramentas digitais é suficiente para impulsionar a inovação e a gestão da PI é uma armadilha perigosa. A coleta e análise de dados, por si só, não geram insights estratégicos. É preciso um olhar crítico e analítico, capaz de transformar informações brutas em conhecimento acionável. A gestão do conhecimento, a gestão da inovação e a gestão da PI exigem mais do que habilidades técnicas; demandam uma visão holística e estratégica, capaz de alinhar as unidades de negócios aos objetivos de longo prazo da organização.
Prospecção Tecnológica: Muito Além dos Bancos de Patentes
Um dos exemplos mais evidentes do problema da superficialidade na inovação é a Prospecção Tecnológica (Afogados em dados: a ilusão do conhecimento na era da inteligência artificial e a prospecção tecnológica). Muitas empresas limitam essa prática à simples análise de bancos de patentes, ignorando outras fontes igualmente relevantes, como artigos científicos, estudos de mercado e tendências tecnológicas emergentes. Essa abordagem restrita gera uma ilusão de conhecimento, levando à adoção de decisões baseadas em um panorama incompleto e, muitas vezes, equivocado.[3]
Para que a Prospecção Tecnológica seja eficaz, é essencial integrar diferentes fontes de informação e gerar uma visão estratégica das oportunidades e desafios do setor. Uma abordagem mais robusta deve combinar dados de diversas origens, permitindo uma compreensão holística do cenário tecnológico e evitando a superficialidade tão comum nesse campo. Entretanto, mesmo quando a prospecção é conduzida de maneira abrangente, ela ainda se concentra essencialmente no presente e no passado, o que pode limitar a capacidade das empresas de se anteciparem às transformações futuras. É nesse ponto que os Estudos de Futuros se tornam fundamentais.
Estudo de Futuros: O Poder da Antecipação
Se a Prospecção Tecnológica busca entender as inovações existentes e emergentes, os Estudos de Futuros (Foresight) permitem antecipar cenários e identificar tendências antes que elas se consolidem. Esse tipo de abordagem é essencial para empresas que desejam se preparar para desafios e oportunidades futuras, fortalecendo sua competitividade e capacidade de inovação.
Em 2016, publiquei um capítulo de livro intitulado Da Previsão Tecnológica ao Estudo de Futuro Orientado aos Sistemas de Inovação: De Ontem aos Amanhãs [4], no qual explorei a evolução dos Estudos de Futuros, desde as previsões tecnológicas até abordagens mais complexas e sistêmicas voltadas à inovação. Nele, destaquei como essas análises se transformaram ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto histórico, político e econômico, passando de metodologias determinísticas para processos estruturados que integram ciência, tecnologia e sociedade. Foram exploradas diferentes técnicas, como o método Delphi e a Análise de Impactos Cruzados, além da crescente importância da prospecção para a formulação de políticas públicas e estratégias empresariais.
No entanto, um problema recorrente na adoção dos Estudos de Futuros é a confusão conceitual sobre os termos utilizados, especialmente no Brasil. A tradução e adaptação de expressões estrangeiras, como Foresight e Technology Forecasting, geraram interpretações divergentes, dificultando a padronização terminológica. Muitas vezes, prospecção tecnológica e previsão tecnológica são usadas de forma intercambiável, apesar de terem enfoques distintos. Essa falta de clareza impactou a adoção desses estudos no país, tornando essencial um esforço para unificar e consolidar conceitos no meio acadêmico, governamental e empresarial.
Em 2021, Valdir Ermida, tradutor e autor do prefácio do livro Prospectiva para Ciência, Tecnologia e Inovação (Miles et al., 2021), reforçou a discussão sobre a confusão terminológica em torno da Prospecção no Brasil. Em sua análise, ele aprofunda o conceito de "prospectiva" e defende que esse é o termo mais adequado para traduzir Foresight para o português, contribuindo para o debate na área. [5]
Portanto, a superficialidade da inovação não se manifesta apenas na limitação das fontes de prospecção tecnológica, mas também na ausência de uma visão de longo prazo. Sem o suporte dos Estudos de Futuros, muitas decisões estratégicas permanecem reativas, em vez de proativas, reduzindo o potencial de inovação genuína e de impacto duradouro. Além disso, a definição precisa dos conceitos é essencial para garantir seu uso correto e maximizar sua contribuição para a gestão da inovação. A confusão terminológica pode levar a interpretações equivocadas e a práticas ineficazes, comprometendo a efetividade das estratégias adotadas. Assim, integrar a prospecção a uma abordagem prospectiva mais aprofundada não apenas amplia a capacidade de antecipação, mas também fortalece a base conceitual necessária para transformar dados em insights estratégicos e impulsionar a inovação de forma mais assertiva e estruturada.
A ISO 56000 como Ponto de Partida, Não de Chegada
Nesse contexto de aprendizado acelerado, um dos grandes equívocos é a confusão entre familiaridade com normas e a real capacidade de aplicá-las de maneira eficaz. A ISO 56000 (Da Gestão de Projetos à Gestão da Propriedade Industrial: A ISO 56000 é a Nova Fronteira da Profissionalização?), por exemplo, fornece diretrizes para a gestão da inovação, mas não substitui um entendimento sólido e aprofundado do tema. Normas são ferramentas, não soluções prontas. Sua aplicação exige um conhecimento metodológico robusto, experiência prática e a habilidade de adaptar diretrizes à realidade específica de cada organização. A verdadeira inovação não está na simples adoção de padrões, mas na capacidade de interpretá-los, questioná-los e transformá-los em soluções originais e eficazes. [6]
É crucial evitar a armadilha de confundir a familiaridade com normas, como a ISO 56000, com a capacidade de aplicá-las efetivamente. As normas são apenas diretrizes, um ponto de partida. A aplicação efetiva dessas normas exige um aprofundamento metodológico robusto, conhecimento especializado em gestão da inovação e PI, e a habilidade de adaptar as diretrizes à realidade específica de cada organização.
Normas como a ISO 56000 oferecem diretrizes valiosas para a gestão da inovação, mas não são a solução completa. A verdadeira inovação não reside na mera adoção de normas, mas na capacidade de ir além, de questionar, de adaptar e de criar soluções originais que impulsionem o crescimento e a competitividade.
A Interdisciplinaridade como Pilar da Inovação e a Capacitação como Investimento Estratégico
A inovação não surge em silos. Ela acontece na intersecção de diversas áreas do conhecimento. A gestão da PI e da inovação exige uma abordagem interdisciplinar, que combine tecnologia, direito, economia, sociologia e até história. Empresas que incentivam a colaboração entre especialistas de diferentes áreas criam um ambiente propício para a geração de ideias inovadoras e a proteção eficaz. Inovar e gerir a propriedade industrial são tarefas que exigem muito conhecimento e são conduzidas por equipes interdisciplinares. São habilidades que exigem muito tempo, dedicação e são intensivas em conhecimento. Exigem conhecimentos que abrange áreas como tecnologia, engenharia, administração, direito, economia, sociologia, história etc. É preciso ir além dos limites das especializações e buscar uma visão ampliada da realidade.
A curadoria de informações, realizada por profissionais experientes e capacitados, é fundamental para selecionar e organizar o conhecimento relevante, evitando a sobrecarga de informações e garantindo a qualidade dos aprendizados.
A capacitação dos profissionais em gestão do conhecimento, gestão da inovação e gestão da PI é um investimento estratégico fundamental para o sucesso das organizações. É preciso ir além dos treinamentos técnicos e investir em programas de desenvolvimento que promovam o pensamento crítico, a visão estratégica e a capacidade de colaboração interdisciplinar. A formação de líderes capazes de navegar no oceano de informações e de transformar dados em conhecimento estratégico é essencial para a construção de um futuro inovador e competitivo.
Para aqueles que querem desbravar esses quebras cabeças, indico dois livros do Paulo Negreiros Figueiredo, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE). O primeiro deles (Imperativo do fortalecimento da competitividade industrial no Brasil) aborda como o desenvolvimento tecnológico e a inovação são cruciais para o avanço dos países impulsionando o desenvolvimento socioeconômico. Fruto de pesquisa inédita no Brasil, realizada pela FGV EBAPE, explora como a indústria brasileira pode fortalecer sua competitividade através da inovação tecnológica, analisando a acumulação de capacidades tecnológicas em empresas de indústrias intensivas em recursos naturais. Os resultados da pesquisa, apresentados no livro "Imperativo do fortalecimento da competitividade industrial no Brasil: evidências em nível de empresas", oferecem insights valiosos para economistas, empresários e formuladores de políticas públicas, com o objetivo de impulsionar a competitividade da indústria brasileira e promover a renovação da estrutura industrial no país. [7]
Neste outro livro, o professor Paulo Negreiros Figueiredo realizou um estudo inédito publicado pela FGV Editora “Capacidade Tecnológica e Inovação: Desafios para a Transição Industrial e Econômica do Brasil”, com 624 páginas onde busca estimular a reflexão crítica e fornecer elementos para enriquecer o debate e as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de habilidades tecnológicas para a inovação.
A obra detalha os esforços brasileiros em ciência, tecnologia e inovação ao longo das últimas duas décadas, traçando comparações internacionais e analisando criticamente os resultados obtidos. O autor apresenta diretrizes para a construção de uma estratégia nacional que fortaleça a capacidade tecnológica e fomente a inovação de forma sustentável.
Diferenciando-se das abordagens eurocêntricas, esta obra singular explora a Gestão da Inovação a partir de estudos de caso brasileiros, revelando as particularidades e desafios da indústria nacional. Trata-se de uma leitura essencial para aqueles que buscam compreender e atuar no ecossistema de inovação no Brasil. [8]
Empresas e profissionais que resistem à tentação do conhecimento superficial e investem em aprendizado sólido, visão de longo prazo e interdisciplinaridade estarão mais bem preparados para transformar desafios em oportunidades, assegurando sua relevância no mercado. Afinal, a verdadeira inovação não nasce da superficialidade, mas do aprofundamento consistente e estratégico do saber.
O conhecimento profundo ainda é – e sempre será – a chave para a verdadeira inovação.
A ideia de McKnowledge e do Drive-Thru da Inovação levanta um alerta: ao priorizar a superficialidade, corremos o risco de formar “especialistas em generalidades”, profissionais que sabem de tudo um pouco, mas aprofundam-se em muito pouco. E isso pode custar caro. Em um mundo onde a competição e as mudanças ocorrem em ritmo acelerado, entender a fundo como gerir a propriedade industrial e a inovação não é só um diferencial para empresas e indivíduos. É, mais do que nunca, uma exigência básica para quem quer se manter relevante.
Se você se interessa por esses temas e deseja aprofundar seus conhecimentos, convidamos você a se juntar ao nosso grupo de pesquisa em Gestão da Propriedade Industrial e Inovação.
Oportunidade para Pesquisa: nosso Grupo de Pesquisa em Gestão da Propriedade Industrial e Inovação tem disponibilidade para orientações de Estágio Pós-Doutoral (processo contínuo), Mestrado e Doutorado, com vagas previstas no Edital 2025 para ingresso em 2026.
Referências:
[1] VIEIRA, Flávia da Silva; SOUZA, Maria Lúcia Tiellet Nunes de. O impacto da afetividade na construção da aprendizagem e do conhecimento. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 29, p. 97-114, 2009.
[2] MCKEOWN, Greg. Essencialismo: a disciplinada busca por menos. 1. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.
[3] RODRIGUES, Ricardo Carvalho. Afogados em dados: a ilusão do conhecimento na era da inteligência artificial e a prospecção tecnológica. Gestão da PI, [s. l.], 29 jan. 2025.
[4] RODRIGUES, Ricardo Carvalho. Da previsão tecnológica ao estudo de futuro orientado ao sistema de inovação: de ontem aos amanhãs. In: SABA, Hugo; JORGE, Eduardo Manuel de Freitas; SOUZA, Claudio Reynaldo B. de (Org.). Pesquisa Aplicada e Inovação. 1. ed. Salvador: EdIFBA, 2016. p. 229.
[5] MILES, Ian; SARITAS, Ozcan; SOKOLOV, Alexander. Prospectiva para ciência, tecnologia e inovação. Tradução de Valdir Ermida. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021.
[6] RODRIGUES, Ricardo Carvalho. Da gestão de projetos à gestão da propriedade intelectual: a ISO 56000 é a nova fronteira da profissão. Gestão da PI, [s. l.], 17 fev. 2025.
[7] FIGUEIREDO, Paulo Negreiros; PINHEIRO, Bernardo; CABRAL, Felipe Queiroz; PERIN, Fernanda; WEGNER, Rubia (Orgs.). Imperativo do fortalecimento da competitividade industrial no Brasil: evidências em nível de empresas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2018.
[8] FIGUEIREDO, Paulo Negreiros. Capacidade tecnológica e inovação: desafios para a transição industrial e econômica do Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2023.
Importante: O presente texto apresenta as opiniões pessoais do autor, as quais não devem ser interpretadas como o posicionamento oficial de qualquer instituição à qual ele esteja vinculado.



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